Vídeo: “Não acreditei”, diz homem seis meses depois de ver o filho morto por PMs pelo WhatsApp

Gabriel Boaventura de Melo Nascimento, na oportunidade com 25 anos, estava dentro de um bar comemorando o nascimento da filha quando foi abordado pelos agentes do Pelotão de Emprego Tático Operacional (PETO). “No dia, eu estava em casa. Por volta de 1h, alguns vizinhos chegaram me chamando e dizendo que meu filho estava caído no chão, agonizando. Quando cheguei, me deparei com ele no chão, ensanguentado. A mãe já tinha chegado antes de mim e tinha uma população em volta. Peguei e dei socorro, pois tinham acionado o SAMU [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] e demorou de chegar”, lembra Evanildo, durante entrevista exclusiva ao Aratu Online.
“QUANDO CHEGUEI, ME DEPAREI COM ELE NO CHÃO”
O pai não sabia, mas quase no mesmo momento em que Gabriel morria no Hospital do Subúrbio, ele recebeu uma informação que julga ser tão pior quanto. “A princípio, pensei que ele tinha brigado com alguém e o levei para o hospital. No sábado [24], quando faleceu, a delegacia esteve lá na rua para fazer o levantamento. Eles [policiais civis] tomaram algumas informações da vizinhança e foram embora. Por volta de meia hora depois apareceram algumas pessoas lá dizendo que quem tinha batido no meu filho tinha sido um policial. Até então, eu não queria acreditar. Porém, depois começaram a aparecer vídeos no WhatsApp de policiais o arrastando e xingando”, frisa.
Evanildo recebeu as imagens de Gabriel sendo arrastado no próprio celular. “Já estava circulando lá da rua e chegaram até meu sobrinho, que me mostrou […] Quando vi, tive uma tristeza grande, pois os policiais são pagos para defender a população. Pegar alguém que está na rua comemorando o nascimento de uma pessoa e bater ao ponto de o rapaz dar um traumatismo craniano é complicado”, justifica o marceneiro, acrescentando que, mesmo abalado, levou todas as provas para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
JUSTIÇA E INVESTIGAÇÕES
O desabafo do pai de Gabriel tem fundamento. Entre a data em que o caso aconteceu até a publicação desta reportagem, a corregedoria da Polícia Militar não deu uma resposta sobre as investigações sequer para o Aratu Online. Por meio de nota, a corporação disse que “após a conclusão das apurações, irá emitir um parecer técnico”. Na época do caso, a corregedoria deu o prazo de 30 dias para concluir a sindicância instaurada.
Como acontece em situações semelhantes, a apuração da Polícia Civil ocorre paralela à da PM. Evanildo Nascimento detalha que o DHPP já ouviu testemunhas e os policiais militares envolvidos. O agente que aparece em vídeo arrastando Gabriel, inclusive, teria dito no depoimento que, quando chegou ao local, a vítima já estava ferida. “A PC disse que tinha concluído o inquérito. Eu espero uma resposta, que apure tudo direitinho e procure os culpados”.
O laudo que atesta o assassinato, feito pelo Instituto Médico Legal (IML) de Salvador, aponta que a causa do crime foi traumatismo craniano. Gabriel, sustenta o pai, sequer tinha sido preso alguma vez na vida.
POR TODOS OS ÂNGULOS
“Você usa sua droga e fica nessa onda aí!?”. É com essa frase que os policiais da 14ª CIPM envolvidos no caso Gabriel falam com o homem, já caído e sem reação alguma. Evanildo diz que não sabe o que aconteceu no bar para o filho ser perseguido, mas tem convicção de que ele invadiu a garagem de uma casa para se proteger, mas foi alcançado. “Aquela residência fica perto de onde tudo aconteceu. Eu acredito que o policial militar bateu nele na rua”.
“VOCÊ USA SUA DROGA E FICA NESSA ONDA?!”
A imagem que abriu esse tópico da reportagem é apenas uma das três que foram repassadas para grupos, familiares e amigos da vítima. Outro vídeo mostra, já na parte externa do imóvel onde tudo aconteceu, o homem gemendo de dor. Um dos policiais, vendo a cena, sequer se move para prestar socorro. O registro não flagra, mas os militares saem do local a bordo da viatura como se nada tivesse acontecido. Gabriel só seria socorrido minutos depois pelo pai.
PRÓXIMO PASSO
Gabriel Nascimento tinha esposa e duas filhas quando morreu. Seis meses depois, as cicatrizes de toda a família ainda não foram fechadas. “É difícil. A gente sempre lembra, fica aquela tristeza sempre no coração. Minha nora está no interior com as meninas passando dificuldade, porque criar duas meninas sem emprego é difícil […] A menina mais velha, de quatro anos, sente muito a falta do pai e pergunta sempre por ele”, destaca Evanildo.
Mesmo com a dor, o pai do jovem reúne forças para pedir Justiça. “Se a gente deixar passar, vai sempre acontecer isso: a PM vai sempre chegar na periferia, pegar as pessoas, vai bater, tirar a vida e ficar por isso mesmo […] A gente sempre lembra [do caso]. Inclusive, estou em uma situação que, qualquer coisa que acontece, eu me assusto, meu corpo fica tremendo. É complicado você saber que a pessoa que está ali para lhe defender, pode tirar sua vida”, diz.
“A PESSOA QUE ESTÁ ALI PARA LHE DEFENDER, PODE TIRAR SUA VIDA”
Agora, o Ministério Público da Bahia (MP-BA), com o resultado das investigações da Polícia Civil em mãos, tem que decidir se oferece ou não denúncia à Justiça comum. Enquanto isso, o pai de Gabriel espera respostas da PM.